Sabores e Prosas

Cubu: A Quitanda Mineira que Carrega Séculos de História e Sabor

Imagine uma manhã fresquinha no interior de Minas Gerais, com aquele cheiro de fubá quente misturado a canela, saindo de um forno de cupinzeiro. O cubu, essa quitanda simples, embrulhada em folha de bananeira, é mais do que um lanche pra acompanhar o café com prosa: é uma história viva, um pedaço da alma mineira que atravessa gerações. Já pensou em morder um tipo de broa macia que carrega mais de 300 anos de causos, lutas e sabores? Então, pega um banquinho, que vou te contar tudo sobre o cubu.

O Nascimento do Cubu: Uma História do Século XVIII

Lá por volta de 1715, na região de Gouveia, no coração de Minas Gerais, o cubu começou a tomar forma. Era o auge do Ciclo do Ouro, quando as vilas mineiras fervilhavam com a correria dos colonos atrás de riqueza.

Nesse cenário, povos escravizados trouxeram sua criatividade pra transformar ingredientes simples em algo especial. Assado em fornos de barro, uma técnica que os povos indígenas já dominavam, o cubu era prático, durável e perfeito pras longas jornadas da época.

Diante disso, a vida colonial não era fácil: o trabalho nas minas era pesado, e a comida precisava ser barata e sustentar. O cubu, embrulhado na folha de bananeira, era como um abraço quentinho, alimentando corpo e alma. Ele se espalhou pelas vilas, das senzalas às cozinhas dos sobrados, virando um símbolo da resistência e da mistura de culturas que formou o Brasil.

Causos e Prosas ao Redor do Cubu

Agora, fecha os olhos e imagina um quintal mineiro no século XVIII. As mulheres, reunidas em roda, cortavam folhas de bananeira com cuidado, aquecendo-as na brisa do fogo pra ficarem bem maleáveis. Enquanto a lenha crepitava no forno de cupinzeiro, feito de terra endurecida, elas misturavam o fubá com melado, ovos e um toque de erva-doce, proseando sobre a vida, os amores e os causos da vila. “Dizem que o Zé do Mato viu um lobisomem na serra, mas tava com um cubu na mão, e o bicho fugiu de medo do cheiro bom!”, contava uma quitandeira, rindo, enquanto moldava a massa.

O cubu não era só comida: era motivo pra reunir a família, pra levar pras festas de santos ou pras viagens dos tropeiros. A palavra “quitanda”, aliás, vem do quimbundo “kitanda”, que significa os tabuleiros das feiras africanas. Em Minas, virou sinônimo de lanche gostoso, perfeito pro café da manhã ou da tarde, com aquele gostinho defumado que só o forno de cupinzeiro dava. E os causos? Ah, eles vinham junto, como a história da dona Maria, que escondia cubus na saia pra levar pros filhos na senzala, ou do tropeiro que jurava que um cubu bem embrulhado durava semanas sem estragar.

O Cubu Hoje: Onde a Tradição Vive

Hoje, o cubu não é tão famoso quanto o pão de queijo, mas ainda resiste em cantinhos especiais de Minas. Em Congonhas, o Festival da Quitanda celebra essa delícia, com quitandeiras mostrando o jeito tradicional de enrolar a massa na folha de bananeira. Em Ipoema, distrito de Itabira, o povo mantém a receita viva, assando cubus que parecem saídos do passado. Comunidades rurais, como as de Diamantina e Ouro Preto, também preservam essa tradição, muitas vezes em fornos improvisados que lembram os antigos cupinzeiros.

O resgate cultural tá ficando forte, sabe? É como se cada mordida fosse um jeito de honrar os avós, os bisavós e toda a história que veio antes da gente. Se você passar por Congonhas ou Ipoema, não deixe de procurar e provar esse trem bão!

Fazendo o Cubu em Casa: A Receita Tradicional

Quer trazer o sabor de Congonhas e Ipoema pra sua cozinha? Anota essa receita tradicional, que as quitandeiras da região guardam com carinho. É simples, mas pede aquele toque de amor que faz toda a diferença!

Ingredientes (rende cerca de 20 cubus):

  • 4 xícaras de fubá moinho d’água (ou mimoso)
  • 2 xícaras de farinha de trigo
  • 2 xícaras de melado de cana (ou rapadura derretida) com um pouquinho de água
  • 4 ovos
  • 1/2 xícara de banha de porco (ou manteiga)
  • 1 xícara de coalhada (ou leite) de acordo com a consistência da massa
  • 2 colheres de chá de fermento químico (antigamente era feito com bicabornato de sódio)
  • 2 colheres de chá de erva-doce
  • 1 pitada de sal
  • Folhas de bananeira (lavadas e cortadas)

Modo de Preparo:

  1. Derreta o melado em fogo baixo com um pouquinho de água até ficar liso. Misture a banha de porco (ou manteiga). Deixe esfriar um pouco.
  2. Numa tigela, bata os ovos e junte o melado temperado. Adicione a coalhada (ou leite) e misture bem.
  3. Aos poucos, incorpore a farinha de trigo, fubá, erva-doce e o sal, mexendo até formar uma massa homogênea e macia. Adicione o fermento químico e misture.
  4. Aqueça as folhas de bananeira no fogo baixo ou no forno (uns 10 segundos) pra ficarem flexíveis, sem rachar. Coloque 2 colheres de sopa da massa no centro de cada folha, enrole como um pacotinho e dobre as pontas pra fechar bem.
  5. Preaqueça o forno a 180°C. Coloque os cubus numa assadeira e asse por 25-35 minutos, até as folhas ficarem secas e levemente douradas. O cheiro vai tomar conta da casa!

Quando abrir o pacotinho do cubu, sinta o aroma da erva-doce misturado ao fubá. Sirva com um café quentinho e sinta o gostinho das quitandas de Minas!

As Raízes do Cubu: Indígena, Africana e Portuguesa

O cubu é uma mesa onde três mundos se encontraram: o indígena, o africano e o português. Dos povos indígenas, veio a técnica de assar em folhas de bananeira, que embrulhavam alimentos como peixes e mandioca pra cozinhar no fogo ou em fornos de barro. Era um jeito esperto de usar o que a terra dava, protegendo a comida e dando um sabor especial.

Da África, os povos trouxeram sua criatividade culinária, transformando o milho local em fubá e usando o melado de cana para adoçar a vida, mesmo nas condições duras da escravidão. O cubu nasceu dessa inventividade, usando ingredientes simples que estavam à mão nas senzalas.

Já os portugueses chegaram com a farinha de trigo, o açúcar refinado e especiarias como erva-doce, que deram um toque sofisticado à receita. É como se cada cultura tivesse colocado um pedaço de si no cubu, criando uma quitanda que é puro Brasil.

O Cubu e os Tropeiros: Um Sabor de Viagem

No século XVIII, os tropeiros cruzavam Minas Gerais com suas mulas, levando ouro, café e mercadorias por caminhos tortuosos. Nessas jornadas, o cubu virou um companheiro fiel. Por quê? Porque ele era firme, durava dias embrulhado na folha de bananeira, e dava energia pra aguentar o tranco. Junto com feijão tropeiro e carne seca, o cubu era o lanche perfeito para as paradas, quando os tropeiros acendiam uma fogueira, contavam causos e dividiam a comida.

Agora, imagina o cenário: o sol se pondo, o som dos sinos das mulas, e um tropeiro tirando um cubu da mochila, ainda cheirando a fubá e erva-doce. Foi assim que o cubu viajou por Minas e além, espalhando seu sabor e suas histórias pelas estradas do Brasil colonial.

O Sabor da Memória

O cubu não é só uma quitanda: é um pedaço vivo da história de Minas Gerais, uma prova da força e da criatividade de quem veio antes de nós. Cada mordida traz o gostinho do fubá quente, o toque defumado da folha de bananeira, e as memórias de um Brasil feito de muitas mãos – indígenas, africanas e portuguesas. Que tal experimentar essa receita em casa? É mais do que comer: é sentir Minas pulsar na sua mesa.

Referências:
BONOMO, J. As quitandas de Minas Gerais: uma análise das origens de um alimento luso-afro-brasileiro. In: XIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, 2017, Salvador. Anais… Salvador: UFBA, 2017.

CÂMARA CASCUDO, L. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Global Editora, 2011.

SLOW FOOD BRASIL. Cubu: uma receita brasileira com muita história! São Paulo: Slow Food Brasil, 2022.

TERRITÓRIOS GASTRONÔMICOS. Cubu na folha de bananeira: conheça outra versão da quitanda histórica de Minas. Belo Horizonte: Territórios Gastronômicos, 2021.

ALMANAQUE CULINÁRIO. Cubu na folha da bananeira. São Paulo: Editora Abril, 2011.

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